Por Alexandre, PY5TH
Desde que me tornei Radioamador em meados de 2008 ouvi que faz parte do processo do radioamadorismo evoluir. Atualizar, utilizar novas tecnologias, mudar, melhorar, investigar são alguns dos atributos de um radioamador. Porém, uma indagação nunca deixou de existir que é a seguinte: afinal, precisamos abandonar tudo de bom que temos em prol de algo que ainda não conhecemos ou em prol de algo que se propõe a substituir o que temos de bom?
Nesta linha de raciocínio um tema apareceu muito bem alicerçado no escopo das operações, inclusive, por que é um tema atual e demanda bastante conhecimento de todos, demanda estudo de questões técnicas, demanda vontade de contribuir com todos e precisa de maturidade para tomar as decisões acertadas para a evolução da comunidade na qual estamos inseridos.
Tal tema chamamos carinhosamente de “Repetidora” no sentido mais passional possível, como um elemento que gostamos, adoramos, ou até mesmo odiamos. Fato é que sistemas de repetição dentro do radioamadorismo até hoje não tem uma linha apenas de raciocínio e unanimidade, creio eu, jamais chegaremos.
Quero apresentar neste artigo alguns dos elementos que julgo importantes no tratamento das nossas estações repetidoras, que podem unir ou destituir completamente uma comunidade. Vale lembrar que aqui prioritariamente estamos tratando do tema de forma geral. Em muitas situações encontramos tanto repetidoras analógicas que são amplamente utilizadas pela comunidade quanto repetidoras digitais instaladas nos mais variados rincões de nosso país. Vamos lá?
1. Da Licença da Estação
Antes de mais nada é preciso dizer que há a necessidade de licenciamento de uma estação repetidora. Atualmente existe duas modalidades, uma delas que recebem e transmitem sinais de radioamador sem conexão ao Serviço Telefônico (que outrora foi muito utilizado) e sem conexão ao Serviço de Comunicação Multimídia ( também conhecido como conexão de internet) que hoje já é amplamente utilizado e as repetidoras com conexão ao SCM, ou seja, repetidoras que podem ser conectadas à internet e interconectadas entre elas por meio da internet. Segundo a Resolução 449/2006 da Anatel,
II – Estação Repetidora: Aquela cujos equipamentos sejam destinados a receber sinais de rádio de uma estação de radioamador e retransmitir automaticamente para outras estações de radioamador. As Estações Repetidoras podem ser:
a) Tipo 4: Repetidora sem conexão à rede de serviço de telecomunicações;
b) Tipo 5: Repetidora com conexão à rede do Serviço Telefônico Fixo Comutado e/ou do Serviço de Comunicação Multimídia.
Conceitualmente a diferença basicamente consiste no fato de que uma repetidora pode ou não ser conectada a outras por meio do Serviço de Comunicação Multimédia. No entanto, esta decisão será importante mais adiante. Por isto, sugiro que a discussão entre os presentes leve em conta qual é o tipo de repetidora que se deseja instalar. Uma vez licenciada, caso queiram mudar, será necessário solicitar exclusão e abertura de novo processo. Assim, com uma definição inicial se evitarão muitas dores de cabeça futuramente.
2. Quem pode licenciar?
Talvez este seja o artigo da legislação atual que mais pesa quando falamos de cobertura de repetidoras, sobre instalação ou licenciamento de repetidoras. Aqui no Paraná existe um boato, isto mesmo, um boato que prejudica e impede o crescimento é o seguinte: “Que existe um entendimento de que apenas associações podem solicitar o licenciamento de estações repetidoras”.
Este boato propiciou um entendimento errôneo sobre a legislação vigente e tem causado grandes equívocos na comunidade radioamadoristica. Primeiro vale a pena lembrar que a Resolução 449/2006 da Anatel é clara ao citar que qualquer radioamador portador do Certificado de Operador de Estação de Radioamador classe A pode realizar a solicitação para o registro de estação repetidora.
Acerca deste fato trazer ao diálogo o tema que abordamos acima, sobre a propriedade das repetidoras: há uma exigência de que seja encaminhada uma lista com pelo menos vinte assinaturas de radioamadores com estações licenciadas para que um pedido de registro de um radioamador classe A possa ser aprovado, ou seja, uma repetidora previamente já tem anuência de uma comunidade com pelo menos vinte radioamadores, lista esta que comprova que a titularidade da repetidora e a responsabilidade legal é de quem a licenciou, porém, seu uso deve necessariamente ser aberto a todos os radioamadores da comunidade.
Outro entendimento importante é que as associações são entidades representativas dos radioamadores, porém, o registro de repetidoras também necessita, além de um radioamador classe A, necessita de bom senso para registrar apenas repetidoras que realmente serão instaladas e utilizadas pela comunidade. Em muitos casos o boato acima citado possui um argumento de que em muitas regiões não há mais espaço para registro de novas repetidoras por conta dos registros anteriores sem ferir alguns quesitos técnicos. Porém, embora todos os registros estejam adimplentes com a Anatel, as repetidoras não estão instaladas ou em funcionamento. Assim, presume-se que o bom senso é fundamental para manter a saúde do radioamadorismo. Para fins de conhecimento, segue o artigo da resolução vigente que remove toda e qualquer dúvida:
Art. 44. A Licença para Funcionamento de Estação Repetidora do Serviço de Radioamador poderá ser requerida por:
I – por titular do Certificado de Operador de Estação de Radioamador (COER) Classe “A”;
II – associações de radioamadores;
III – universidades e escolas;
IV – associações do Movimento Escoteiro e do Movimento Bandeirante;
V – entidades de defesa civil.
Cabe ressaltar, no entanto, que uma das razões da Anatel existir é garantir, pelo cumprimento da Lei Geral das Telecomunicações, o uso adequado do espectro eletromagnético de forma a garantir que todos tenham isonomia de uso, cada qual em seu serviço devidamente outorgado pela referida agência. Ocorre que por muitos motivos a Anatel, em seu poder de entente fiscalizador e garantidor do direito de todos, e em sua autonomia em defesa do espectro, se utilizou de força maior para garantir que o espectro eletromagnético não fosse totalmente poluído ou maculado por pedidos de licenciamento que muita vezes não representava a vontade legítima da comunidade.
Lamentamos que tal comportamento de uma pequena parcela de radioamadores pudesse literalmente macular a boa imagem dos radioamadores na agência, porém, entendemos que era necessária alguma medida para coibir comportamentos alheios à comunidade ou que pudessem trazer prejuízos irreparáveis a todos os radioamadores. Podemos confiar na Anatel: existem bons técnicos que conhecem muito bem o radioamadorismo e eles serão nossos guardiões a nós aliados no que é certo: repetidoras para uso de todos os radioamadores!
3. Repetidora tem dono?
Esta pergunta parece retórica, porém, não é! Existe uma frase muito boa de um amigo radioamador paraguaio que muito bem exemplifica esta questão. “Ora, será que Deus virá licenciar e instalar uma repetidora para nós, os radioamadores?” Obviamente a resposta é “Não!”. Portanto, toda repetidora tem dono sim. E temos que tratar o predicado “dono” com dois significados, os quais veremos a seguir:
O titular da licença é o “dono”: Sim, é isto mesmo. A titularidade de uma estação repetidora está previsto na legislação vigente que é a Resolução 449/2006, na qual encontramos a seguinte informação:
Art. 44. A Licença para Funcionamento de Estação Repetidora do Serviço de Radioamador poderá ser requerida por:
I – por titular do Certificado de Operador de Estação de Radioamador (COER) Classe “A”;
II – associações de radioamadores;
III – universidades e escolas;
IV – associações do Movimento Escoteiro e do Movimento Bandeirante;
V – entidades de defesa civil.
Fiz um grifo em duas partes do artigo citado em virtude de um mito moderno que anda circulando entre os radioamadores desinformados que é o seguinte: “A Anatel não aceita pedidos de radioamadores portadores do COER classe A para registro de repetidoras, apenas, licencia repetidoras em nome de associações de radioamadores”. Chamei de mito porque de fato é algo que não procede. A Anatel não só aceita pedidos de radioamadores devidamente aptos para licença de estação quanto licenciou a repetidora PY5GRF em Foz do Iguaçu no ano de 2021. Caros defensores deste argumento equivocado: estudem melhor a legislação, solicitem o licenciamento de uma estação repetidora e façam a defesa adequada de seu pedido: Com bons argumentos o processo é relativamente fácil.
Quem instala os equipamentos é o “dono”: me parece que este é o argumento mais forte entre os dois, dado que a repetidora somente possui materialidade a partir de seu funcionamento, ou seja, quando está licenciada, instalada e funcionando! Existem casos nos quais há um coletivo de pessoas ou mesmo associações que mantém as repetidoras, e por isto, também não é um equívoco dizer que repetidora tem dono. Ocorre que na grande maioria das vezes as repetidoras, por inúmeros motivos, é mantida por apenas um ou dois radioamadores que se dispõe a fazer investimentos monetários e técnicos para deixar um sistema funcionando.
Resta dúvida se uma repetidora tem dono? Me parece oportuno trazer outro artigo da referida resolução para eliminar de vez a confusão que paira sobre o assunto. Vamos lá?
Art. 54. As estações repetidoras devem ser abertas a todos os radioamadores, observadas as classes estabelecidas, admitindo-se apenas a codificação para acesso à rede do STFC.
Aqui está o ponto central de toda esta confusão: muitos radioamadores argumentam que “as repetidoras não tem dono”. Ter dono não significa que são privadas ou tem algum tipo de restrição, ao contrário, todas as repetidoras, sim, são abertas a todos os radioamadores, porém, sempre tem um ou mais radioamadores envolvidos com a instalação e manutenção destes sistemas. Então, vamos “bater o martelo” neste assunto com o entendimento correto do assunto. Antes de ficar arrumando confusão por qualquer motivo inútil, ajude a manter a repetidora com sua presença, com sua alegria e com o que for necessário para que ela permaneça funcionando! Fim de papo!
4. Semelhanças entre Digital e Analógica
Quando pensamos nos aspectos técnicos de uma repetidora para radioamadores, tanto a repetidora analógica quanto a repetidora digital possuem muitas semelhanças. Especialmente o sistema irradiante é comum para ambas as instalações. Uma repetidora sempre será registrada com uma frequência de recepção e uma frequência de transmissão que deverão operar juntas, pois, tanto a recepção quanto a transmissão de fonia ou dados ocorrem sempre ao mesmo tempo.
Em uma instalação tradicional o mais comum é encontrarmos um sistema irradiante composto por uma antena que terá o papel de receber e transmitir ao mesmo tempo tudo que por ali passa. Neste caso o filtro de cavidade ou duplexador será obrigatório, pois, ele tem o papel importantíssimo de dar condições para que a repetidora receba e transmita ao mesmo tempo. Esta configuração normalmente é encontrada em locais onde não há muito espaço para a instalação de duas antenas, por exemplo.
Há também instalações que usufruem de um espaço maior e consequentemente utilizam duas antenas com finalidades distintas: uma das antenas terá a responsabilidade de escutar a frequência de entrada da repetidora e a outra antena fará o papel de transmitir tudo que a repetidora receber. No geral, para este tipo de instalação não se usa o duplexador, pois, há disponível um espaço relativamente grande para deixar as antenas de recepção e transmissão separadas o suficiente para que não haja interação entre antenas.
Para que uma repetidora funcione também serão necessários dois equipamentos de rádio, um para realizar a recepção e outro para a transmissão. Normalmente encontramos em repetidoras de radioamadores dois equipamentos de rádio com estas funções de recepção e transmissão separados, porém, não é incomum também encontramos equipamentos exclusivos para montagem de uma repetidora, mais caros, obviamente, porém que integram em um único console as funções de recepção e transmissão. Em repetidoras típicas de radioamadores sempre há o aproveitamento de algum rádio antigo, barato e que seja compatível para esta função. Caso contrário, sempre tem algum radioamador mais astuto que dá aquele jeito brasileiro para construir uma repetidora com dois ou mais rádios velhos. Quando não se tem o “cão” vamos à caça com o “gato”.
5. Diferenças entre Digital e Analógica
Basicamente temos duas diferenças importantes que separam radicalmente uma repetidora analógica de uma repetidora digital: é a placa controladora! Pela legislação esta placa tem duas funções esperadas que são específicas para o Serviço de Radioamador:
Art. 45. A estação repetidora deve possuir dispositivos que irradiem, automaticamente, seu indicativo de chamada em intervalos não superiores a dez minutos, bem como dispositivo que possibilite ser desligada remotamente.
Creio que estas duas são as principais funções que uma placa controladora deve de fato “desempenhar” em um sistema irradiante com a finalidade de retransmissão. Esta controladora nós encontramos tanto em um sistema analógico quanto em um sistema digital. Embora este tema da legislação seja comum a ambos os sistemas e por isto os trato neste tópico por conta de que há uma diferença entre o modo de atendimento da legislação.
Em uma repetidora analógica todo o controle da repetidora é feito por meio de códigos de DTMF que são enviados por um equipamento com tal finalidade. Quando queremos, por exemplo, desligar a repetidora, enviamos um código por meio da frequência de entrada da repetidora e ela nos alerta para erro ou sucesso com um sinal sonoro enviado pela frequência de transmissão.
Em uma repetidora digital os “comandos” são todos enviados via internet, já que a “controladora” se trata de um pequeno computador com muito mais funcionalidades das quais encontramos em uma controladora de uma repetidora analógica. Esta talvez seja a diferença mais evidente, a de que existe um computador capaz de dar vida a uma repetidora digital que pode ser ou não conectada em alguma rede digital.
Um outro detalhe interessante é que a repetidora analógica sempre envia seu identificador em código Morse em tempo pré-definido, ou seja, nós escutamos com os ouvidos humanos a identificação e podemos decodificá-lo sem auxílio de instrumentos se soubermos as famosas “letrinhas”. No caso das repetidoras digitais existe a opção de irradiação do código Morse de identificação. Seria ideal que todos os mantenedores pudessem manter esta opção ativa.
Para além destas particularidades temos que atentar para um fato interessante: em repetidoras analógicas o modo mais encontrado de recepção e transmissão é frequência modulada, por conta dos equipamentos que temos, ou seja, uma repetidora normalmente vai operar com este modo porque os equipamentos com os quais ela foi construída são em FM. No caso da repetidora digital é possível operar em um ou mais modos digitais. Podemos ter uma repetidora exclusiva para algum modo, a exemplo do Brasil, encontramos muitas repetidoras que trabalham com DMR, porém, é perfeitamente possível construir um sistema que opera em DMR e C4FM não simultaneamente, ou seja, se a repetidora foi acionada no primeiro modo ela operará neste modo até que haja a solicitação para que a repetidora entre em operação por outro modo.
Lembre-se: uma repetidora pode unir uma comunidade como pode ser o grande motivo da separação de todos os radioamadores!
6. Canalização Racional
Até pouco tempo atrás nós encontrávamos apenas repetidoras em FM especialmente na banda de 2 metros, ou seja, em VHF. Com a chegada especialmente do DMR no Brasil também iniciamos o processo de implantação de repetidoras em 70 centímetros, ou seja, em UHF. Ambas as bandas permitem a instalação e licenciamento de repetidoras e quanto mais repetidoras instaladas e em funcionamento melhor para o radioamadorismo, certo?
Ocorre que nesta vontade de “atualizar” ou modificar os sistemas de comunicação em VHF e UHF muitos mantenedores das repetidoras iniciaram o processo de instalação especialmente de novas repetidoras com os modos digitais mais usados atualmente, porém, isto gerou um pequeno problema, especialmente nos dias de boa propagação. Quem nunca esperou um bom dia de propagação para falar com algum amigo mais de longe via VHF/UHF?
Afinal, qual é o problema? Repetidoras Digitais funcionam praticamente 24 horas por dia por conta de que quase todas são ligadas em rede, ou seja, mesmo que não haja um QSO local, a repetidora pode estar em funcionamento por conta de outros QSOs que ocorrem em locais diferentes do seu local de instalação. O grande problema é que as repetidoras digitais também são registradas em frequências que já são usadas por repetidoras analógicas, muitas vezes em regiões próximas ou mesmo em regiões mais distantes. Em dias de propagação uma estação de radioamador poderá escutar tanto aquele sinal sonoro esperado de uma repetidora analógica quanto o sinal sonoro entendido apenas por um sistema computacional.
Assim, uma medida fácil de tomar e que resolve este problema para o bom convívio de todo mundo no éter é o respeito a quem chegou primeiro. Como podemos organizar dentro da canalização permitida a instalação de repetidoras, minha sugestão é que “respeitemos os mais velhos” e façamos o seguinte: que tal mantermos a canalização no VHF de 146 MHz para baixo com as repetidoras analógicas e instalarmos as repetidoras digitais acima de 146 MHz? Me parece que é uma questão fácil de resolver e não precisamos da intervenção da Anatel.
Claro que existem cenários nos quais esta sugestão não se aplica por inúmeros fatores, então o que vale é o bom senso e o compartilhamento de informações entre os mantenedores dos distintos sistemas de repetidoras. O convívio harmônico entre os radioamadores e suas modalidades praticadas é fundamental para a saúde do radioamadorismo brasileiro, portanto, organizem-se. Queremos ter contatos com todos os radioamadores e estamos aqui para somar. Quanto mais repetidoras termos mais ativo o radioamadorismo será.
Uma pequena sugestão a você, leitor, é utilizar uma possível canalização para repetidoras analógicas e digitais para garantirmos o convívio de todos sem prejuízo a outrem. Poderemos racionalizar a canalização da seguinte maneira: Se pode instalar repetidores digitais na faixa de 145.210 até 145.290, analógico de 145.350 até 145.390. Na faixa de 146.610 até 146.690 digital, 146.710 até 146.970 analógica. Finalmente 147.000 a 147.090 digital e 147.110 até 147,390 analógica.
7. Repetidoras Rurais e Urbanas
Vamos por mais um ingrediente nesse bolo todo. Afinal, o que configura uma “boa repetidora”? Me parece ser a cobertura que ela possui com facilidade de acesso por sinais de baixa intensidade que permitem a comunicação a longas distâncias. Procede?
Gostaria de introduzir dois termos interessantes para pensarmos juntos sobre harmonização entre as instalações das repetidoras analógicas e digitais, fazendo com que a paz reine tanto entre os gregos quanto os troianos. Não há consenso sobre este tema, porém, me sinto bastante inconformado com a conduta de alguns radioamadores que removem uma boa repetidora analógica que está instalada em uma localização cuja cobertura atende diversos radioamadores. Ora, sob qual argumento vale a pena remover uma boa repetidora analógica para instalar uma repetidora digital?
Me parece que o erro mais básico decorre da falta de conhecimento técnico e uma boa dose de discernimento para entender que não se deve remover um bom sistema irradiante em prol de outro, exceto por questão de morte. Quando falamos da “transformação” de uma repetidora analógica para digital algumas ressalvas aparecem. Comecemos entendendo melhor a diferença conceitual para depois termos um veredicto.
Com o conceito de “repetidora rural” quero dizer que as nossas melhores repetidoras analógicas sempre foram instaladas fora da cidade nos melhores pontos para maximizar sua cobertura. Como os requisitos para a instalação destas repetidoras não são tão difíceis de se conseguir, como uma fonte de energia e um espaço em algum poste, torre, etc., os radioamadores sempre mantiveram boas repetidoras em lugares longínquos ou fora da cidade, pois, para ter um alcance considerável e ter bom atendimento era necessário contar com a geografia e relevo dos locais de instalação para atingir estes objetivos.
Com o conceito de “repetidora urbana” quero dizer que as repetidoras digitais podem muito bem ser inseridas no conceito urbano, dado que elas, no geral, são todas interligadas em cadeia com outras repetidoras, tornando a cobertura da repetidora maior por meio da rede a qual ela se conecta. Neste sentido, não precisamos ir longe para instalarmos uma repetidora digital porque o quesito “conexão” com um sistema de internet pode ser facilmente atendido em um espaço urbano.
Bingo! Aí está um conceito muito importante, ao meu ver, para tomar a decisão certa. Veja: Um dos requisitos para ter uma boa VHF é ter pelo menos um filtro bom de cavidade se quisermos instalar o sistema irradiante com 1 antena. Se quisermos 2 antenas precisamos de uma torre maior, por conta do espaço. Como o offset de uma uhf é 5.000MHz facilmente convencionou-se que uma repetidora Digital poderia trabalhar em UHF até pelo fato de que o filtro de cavidade é bem menor, e a repetidora cabe toda dentro de uma caixa muito menor, com tx, rx, filtro, fonte e PI + MMDVM. Na prática em cima de um “poste” ou em cima de um prédio a repetidora UHF senta super bem, é de fácil instalação etc.
Então veja, no caso do digital a “longa distância” é facilmente alcançada com a conexão de uma repetidora conectada à rede que se conecta com outra repetidora X e outra Y, etc. Um exemplo disso é o sistema de telefonia celular. Porque temos “setores” urbanos? Os engenheiros ficaram loucos? Não! Cada repetidora digital pode ser considerada como uma célula urbana e atua em sua micro região, quando precisa falar com outra cidade, usa-se a conexão de dados e vai para a outra repetidora facilmente.
Portanto, jamais será aceitável em condições normais que uma boa repetidora rural seja digitalizada sob o argumento de que terá maior cobertura. Vamos somar ao mantermos os sistemas antigos em consórcio com os novos. Vamos manter os amantes do rádio unidos fortalecendo a comunidade a qual eles pertencem. Vamos FAzer com que o radioamadorismo cresça de forma saudável.
8. Das Conexões (links)
O radioamadorismo por natureza é uma fonte inesgotável de amizade. Assim, a pergunta sobre links entre repetidoras é muito importante. Como fazer para podermos ter comunicação permanente com amigos de outras comunidades de radioamadores? A resposta é muito simples: link! O que é um link? No sentido literal é o modo que os radioamadores encontraram para facilitar a comunicação entre uma ou mais comunidades de radioamadores com o desejo de comunicação permanente. E isto é possível por meio das nossas queridas repetidoras, afinal, temos o link como um ponto de encontro e conexão entre duas ou mais repetidoras. Daí a importância de entendermos como isto funciona.
Em uma repetidora analógica esta conexão podemos ter dois modos de conexão com outras comunidades. Podemos ter um link que chamamos de “físico” basicamente com a inserção de um rádio-link em nossa repetidora e que nos conecta a outra repetidora. Este método de conexão é amplamente utilizado desde a popularização dos sistemas de VHF-UHF em todas as partes do mundo. E temos um outro método que é, digamos, mais “recente” que é a conexão analógica por meio de uma estação física separada da repetidora, porém com capacidade de conexão com o auxílio da internet chamado Echolink.
Dentre estes dois métodos que podem ser utilizados é importante dar atenção ao modo de registro de uma estação repetidora. Tecnicamente, embora uma repetidora analógica tenha um link com outra repetidora por meio do enlace de rádio frequência seu registro será sempre do tipo 04, ou seja, repetidora sem conexão com o serviço telefônico fixo comutado (que nada mais é do que a conexão da repetidora com Linha Telefônica) e que aqui pode ser estendido às novas tecnologias tais como Serviço de Comunicação Multimídia (internet). Quando o link escolhido é realizado por meio do Echolink (existem outros modos menos conhecidos também possíveis) a repetidora deverá ter o registro de licença do tipo 5, com conexão ao Serviço Telefônico Fixo Comutado(já bastante antigo e quase em desuso total) ou Serviço de Comunicação Multimídia que atende às novas modalidades de conexão mais modernas atreladas à internet.
Quando tratamos de repetidoras digitais também podemos encontrar repetidoras com e sem conexão com a internet. Vale ressaltar que esta modalidade digital já nasceu com a vocação para ter naturalmente um link com a conexão ao serviço de internet. Tal vocação pode ser encontrada por meio das repetidoras digitais espalhadas Brasil afora que possuem conexão com redes específicas e que, dada a tecnologia, geralmente podem conectar muito mais do que uma ou duas comunidades. Tais repetidoras conectadas nas redes geralmente devem obedecer regras específicas que regem os princípios básicos de convivência em suas redes de conexão, para que o sistema possa funcionar e atender a todos adequadamente.
No entanto, é preciso lembrar que também podemos ter repetidoras digitais sem conexão com a internet, ou seja, se uma comunidade escolhe não ter conexão com outra, mas deseja ter uma repetidora digital é perfeitamente possível, sem prejuízo à modalidade. Como dito acima, o critério de conexão ou não está mais para a amizade mantida entre comunidades do que uma necessidade de tecnologia para alcançar sua plenitude. O atendimento pleno da missão de uma repetidora é atender sua comunidade em suas escolhas, portanto, a adesão às redes disponíveis é uma escolha voluntária dos coletivos de radioamadores que mantém as repetidoras.
Um outro ponto importante que gera muita confusão entre os radioamadores é o seguinte: Uma repetidora digital pode ser Online em alguma rede ou pode ser Offline. Qual a diferença? Uma repetidora sem conexão com a rede vai operar no protocolo desejado porém sem interação com o que nós conhecemos por “link”das analógicas, isto é, ela fica com o TX e RX dela somente. Quando está online o “link” não é feito por um terceiro rádio, mas sim ligada via internet diretamente. Neste caso se eu falar aqui vou entrar na rede da internet e posso te encontrar lá na outra repetidora facilmente.
Finalmente, devemos ainda se atentar para uma prática interessante que é a possibilidade de termos um link entre repetidoras. No modo analógico um link é possível inserindo um terceiro rádio no sistema que fará a comunicação com outra repetidora. Tal prática é encontrada em sistemas analógicos e permite expandir a cobertura de uma ou mais repetidoras. Não se trata de uma prática proibida pela legislação vigente, porém, conhecemos pouquíssimas redes que mantém estes links via rádio frequência ativos. Aqui há um impasse legal quanto ao registro da repetidora na Anatel. Como não se trata de uma conexão ao Serviço Telefônico Fixo Comutado e tão pouco uma conexão com a internet, por precaução o registro deverá ser feito para uma repetidora Tipo 5, embora o Tipo 4 – Sem conexão, em tese, não feriria o dispositivo legal, dado que não há uma classificação clara na resolução vigente.
Com as repetidoras digitais ou híbridas os links acontecem por meio de conexão com o Serviço de Comunicação Multimídia, também amplamente conhecido como sistema de internet. Neste caso, uma repetidora que está conectado com a rede mundial de computadores pode alcançar outras repetidoras espalhadas pelo mundo, de acordo com o protocolo utilizado. Aqui temos um detalhe importante é que o registro da repetidora deverá ser necessariamente do Tipo 5 – Com conexão com o Serviço Telefônico Fixo Comutado que é a opção mais próxima à opção da internet.
Portanto, caso queiram realizar um link via radiofrequência com outra repetidora será necessário um estudo prévio entre os mantenedores das repetidoras envolvidas para análise do enlace de rádio, definindo se existe viabilidade de instalação. Caso haja o interesse de conectar uma repetidora digital seria interessante a consulta ao público que utiliza a repetidora diariamente, seja por conta da migração ou seja por conta da conexão.
9. Das Redes Digitais
Se a escolha da comunidade for por instalar uma repetidora digital então naturalmente aparecerá a pergunta: “Vamos integrar com alguma rede?” Como vimos acima, uma repetidora pode ser instalada com conexão a alguma rede ou link com outras repetidoras ou pode operar em algum protocolo sem conexão. Aqui farei menção ao sistema DMR que é muito popular no Brasil e possui diferentes redes para se conectar. Acredito ser muito importante que a escolha da rede seja discutida e a decisão alcançada seja representante da vontade coletiva dos radioamadores, uma vez que cada uma das redes tem diferentes características, diferentes regras e diferentes comunidades presentes. Cito as maiores redes presentes em território nacional:
- BrandMeister
- MasterSul
- DMR+
10. Repetidoras Híbridas
Sim! Parece mentira mas não é! Um radioamador chinês desenvolveu uma placa para repetidoras digitais que agora também pode ser utilizada para repetidoras analógicas. E a novidade mais interessante é que é possível montar e deixar funcionando uma repetidora híbrida com vários modos habilitados, porém, não funcionando simultaneamente. Um amigo radioamador paraguaio super entusiasta de DMR já realizou uma bateria de testes com uma repetidora híbrida com um consórcio de sucesso: DMR + FM, ou seja, uma repetidora híbrida digital e analógica. E como funciona?
Pelo depoimento, a operação é relativamente simples, porém, precisa um pouco mais atenção do que a operação normal, ou seja, quando alguém está operando no modo analógico os rádios digitais não irão escutar a frequências se estiverem com o modo DMR habilitado e, na via contrária, se houver operação em DMR o rádio analógico irá escutar a famosa “metralhadora” que é a portadora digital, caso não haja um tom de entrada e saída configurados na repetidora.
Me parece que esta nova solução também é interessante em localidades onde é possível ter apenas uma repetidora ou mesmo onde a comunidade é organizada de forma a aceitar esta dupla faceta em um mesmo sistema irradiante atuando de forma híbrida. Uma solução bastante interessante também por conta da economia de recursos financeiros, recursos técnicos e de legislação. Mais uma opção para nós, radioamadores, que adoramos um novo experimento!
Há algum tempo acompanhei um teste fantástico no qual um radioamador do Paraguai realizou os primeiros testes com uma placa controladora que possibilita utilizar vários modos digitais e ainda possibilita a utilização do modo FM também. Particularmente achei genial esta possibilidade, pois, em tese, seria o sonho da comunidade de radioamadores fazer o atendimento das comunicações locais com um incremento de estar com sua repetidora ligada a uma rede mundial ou mesmo utilizar a comunicação local. O teste foi bem sucedido.
11. É hora de digitalizar?
Esta pergunta é muito difícil de responder. Não há consenso sobre o assunto. Cada comunidade tem suas razões específicas para dizer se uma repetidora que lhe atende deve ser analógica ou digital. Não há nada mais democrático que o diálogo coletivo para entender as demandas e/ou resolver os problemas no território de cobertura de um sistema irradiante. Creio ser este um dos fatores principais de decisão coletiva que poderá ser um caminho para uma resposta. Cada qual sabe onde o seu sapato aperta o pé!
No entanto, eu particularmente não concordo com a conversão de boas repetidoras analógicas para repetidoras digitais pelo simples fato de que o radioamadorismo deve se modernizar. Para mim, Alexandre, este argumento é insustentável e inadmissível, pois, por detrás de toda boa repetidora há um histórico de luta e dedicação que não pode ser apagado. Ademais, não se deve remover uma repetidora em prol de outra, deve-se construir uma nova repetidora mantendo a antiga e isto é possível de fazer, inclusive com a conceitualização de repetidoras rurais e urbanas, como vimos mais acima.
Entendo que existem localidades nas quais é impossível ter uma repetidora analógica por conta dos inúmeros incidentes de QRM diários, porém, esta é uma situação que deve ser tratada individualmente em cada uma das comunidades afetadas. Onde uma ou mais repetidoras analógicas funcionam bem e atendem a comunidade não há razões para acreditar que o melhor caminho de evolução é a desativação. O caminho feliz é realizar uma força tarefa entre os radioamadores para manter o que sempre lhes atendeu e construir novas estações repetidoras para os novos modos. Isto sim é evolução, obviamente, evolução que pressupõe uma comunidade ativa e envolvida. De nada adianta um radioamador solitário ter e manter uma repetidora para ninguém usá-la.
Ora, uma repetidora VHF em cima de um morro é o sonho dos radioamadores, pois possui uma área de atendimento bastante grande. Mas como um benefício vem facilmente, também pode vim um malefício: a boa cobertura permite que malandros distantes comecem a importunar e a localização destes meliantes pode ser um processo longo e demorado, porém, com algum custo factível.
Assim, não há justificativa técnica para desmontar repetidoras boas e nem há justificativa para instalar repetidoras digitais nos melhores locais onde estão as repetidoras analógicas. Ambos os sistemas podem conviver juntos em harmonia. VHF pode-se manter para contatos analógicos locais e em longa distância conservando as instalações atuais e o UHF vem muito para contribuir com a instalação das repetidoras digitais para curtas distâncias para centros urbanos com possibilidade de aumento de cobertura com sua conexão com a rede de internet, consequentemente com outras repetidoras conectadas.
Existem outros elementos técnicos que devem ser considerados para a instalação de ambos os tipos de repetidoras. Importante, acima de tudo, é que uma repetidora tenha uma sensibilidade de recepção capaz de atender o maior número de radioamadores ao seu entorno
Mas e o elemento técnico do começo do papo? Um dos maiores vilões das repetidoras digitais que muitos não dão a devida atenção é com relação à potência de operação das repetidoras. Todo radioamador que algum dia trabalhou com algum sistema irradiante de repetição full duplex sabe que a treva é conseguir ter sensibilidade no RX com uma boa potência no TX. Este meio termo geralmente foi bem alcançado em repetidoras com offset de 0.600 MHz com potências entre 5 watts até 15 watts. Esta é uma média comum tanto para uso de cavidade (duplexer de 6 ‘canecos’ para vhf). No caso do UHF o offset é de 5.000MHz, porém, a cavidade é relativamente menor, então o raciocínio deveria ser linear: offset maior cavidade menor, offset menor cavidade maior.
Ocorre que os rádios com bom rendimento para sistemas digitais que trabalham incansavelmente 24/7/30/365 geralmente são rádios elaborados para sistemas comerciais e um dos mais famosos e que é uma das melhores opções é o Motorola modelo Pro 5100. Porém, este rádio possui apenas dois níveis de potência: baixa com 25w e alta com 50w. Me parece que este é o começo dos problemas. Ao menos eu penso que isto é um problema a ser considerado, além de outros. Assim, as repetidoras digitais são relativamente “duras” ou com sensibilidade um pouco mais baixas, tornando a necessidade de maior potência para entrar nelas, por isto, muitas vezes conseguimos acessá-las de uma região mais próxima, já em operações à distância temos alguns problemas relacionados.
Finalmente, ainda temos que considerar que para operação em repetidoras digitais todo radioamador deverá ter ao menos um rádio de mão para utilizar no dia-a-dia na repetidora digital instalada no seu entorno. Desejável seria um rádio móvel ou base para uso mais confortável e também para usufruir de todos os recursos que o sistema oferece no protocolo disponível em sua região.
Talvez o grande impasse é conversar de forma amigável com todos os radioamadores para chegar a um consenso e ter um sistema que seja utilizado por todos consista exatamente no maior desafio: um diálogo amigável e que possa fortalecer e melhorar as condições de operação para todos os radioamadores presentes em uma localidade. Ademais, obviamente, esta decisão irá elevar o radioamadorismo local a um nível distinto, melhor, mais bem aproveitado e com mais engajamento de toda a comunidade.
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E-X-C-E-L-E-N-T-E Artigo. Parabéns ao amigo PY5TH Alexandre