Experiências: a força que move o Radioamadorismo

Por Kevin McQuiggin VE7ZD / KN7Q

Traduzido/adaptado por Alisson, PR7GA

A experimentação faz parte do Radioamadorismo há muito tempo. De fato, as primeiras experiências dos Radioamadores remontam ao início de 1900 e foram responsáveis por muitas descobertas e inovações no rádio e no desenvolvimento de novas técnicas, tanto tecnológicas quanto operacionais.

Diante disso, gostaria de falar sobre a importância de manter viva a “mentalidade experimentalista” e incentivar o uso das habilidades radioamadoras, seja na operação, seja no melhoramento da eficiência ou capacidade de nossas estações.

Muitos colegas têm certo receio de experimentar – talvez por medo do próprio fracasso ou de manchar sua reputação, caso sua invenção não seja tão boa quanto imaginavam, ou mesmo não funcione. Porém, eu diria que a experimentação é a força motriz do Radioamadorismo. Ela é capaz de abrir um novo horizonte para as telecomunicações em geral e as práticas operacionais, além de abrir caminho para futuros amadores (e até mesmo para a indústria).

Consertar coisas é uma marca registrada do Radioamador. Sem a experimentação e a reflexão que ela provoca sobre os resultados, sejam exitosos ou malsucedidos, a radioarte não teria se desenvolvido de forma tão ampla e rápida como se desenvolveu.

Um Exemplo Histórico

No início do século 20, os Radioamadores desenvolveram projetos de transmissores e receptores que deram novo rumo tanto à então jovem indústria do rádio como também ao próprio Radioamadorismo.

Na década de 1910, a sensibilidade e a seletividade dos receptores usados pelos Radioamadores eram bastante superiores aos modelos comerciais, industrializados. Os amadores rapidamente adotaram as moderníssimas e variadas “Válvulas eletrônicas” e assim a experimentação corria solta enquanto eles tentavam melhorar seus transmissores e receptores. Naturalmente, muitos dos experimentos não deram certo, mas os radioamadores continuavam experimentando e aprendendo tanto com o que não funcionava quanto o que funcionava. 

O rádio ainda era uma área bastante nova e os radioamadores faziam experimentos às vezes bizarros, muitas vezes com o prosaico objetivo de chegar mais longe ou mais forte que o “outro cara” no quarteirão ou impressionar os demais colegas nas primeiras redes/rodadas em CW. Com toda essa atividade, rapidamente os equipamentos dos Radioamadores superavam os modelos comerciais, já que estes podiam tentar novas ideias de maneira livre e informal. Mas também, (e isso é importante!) porque os amadores não eram “experts” na radiocomunicação.

Os Radioamadores não tinham ideia daquilo que iria funcionar ou não.

Essa era a opinião dos principais acadêmicos e engenheiros da época. 

Assim, eles eram livres para tentar todo tipo de circuito bizarro ou antena estranha. Radioamadores não tinham reputação profissional a preservar nem professores para impressionar. O Radioamadorismo era o paraíso para qualquer experimentador! [1]

Essa dicotomia entre o Radioamadorismo e o rádio comercial atingiu o ápice em 1912 com o atendimento de emergência ao naufrágio do Titanic. O Radioamadorismo conseguia lidar de forma muito mais eficiente com as muitas transmissões após o desastre, mas os circuitos antigos e ineficientes dos modelos comerciais que eram instalados a bordo dos navios tinham baixa seletividade e acabavam sofrendo interferência de transmissões amadoras. Em vez de adotar os novos circuitos mais sensíveis projetados dentro da comunidade amadora, a indústria pressionou os governos para proibir o Radioamadorismo de forma a convenientemente remover essa tecnologia concorrente das ondas de rádio.

Sabemos o que aconteceu a seguir. O lobby da Marconi e de outras empresas de rádio venceu e o Radioamadorismo foi banido para as frequências “inúteis” acima de cerca de 1,5 MHz. As empresas ficaram satisfeitas porque essas novas Leis de Rádio (aprovadas nos Estados Unidos, Canadá e Europa) “resolveram” o problema da interferência condenando o Radioamadorismo ao ostracismo. Pelo menos era o que pensavam, já que todos os especialistas da época acreditavam que tais frequências eram inúteis para comunicação de longo alcance. [2]

E qual foi a resposta do Radioamadorismo? A ARRL e outras associações de Radioamadores tentaram encarar com otimismo a tal “sentença de morte” e encorajaram seus associados a construir novos receptores e transmissores para uso acima de 1,5 MHz e a experimentar: talvez a comunicação de longa distância nesses comprimentos de onda mais curtos ainda fosse possível.

À medida que os Radioamadores mudaram suas estações para frequências mais altas, eles descobriram que a propagação dos sinais de rádio realmente melhorava. Frequências mais altas (comprimentos de onda mais curtos) acabaram mostrando que poderia ser empregada muito menos potência que era normalmente usada para vencer distâncias dezenas e até centenas de vezes maiores do que jamais haviam conseguido em frequências mais baixas.

Quando os amadores chegaram à banda de 20 metros (14 MHz), a propagação dos sinais passou a ter alcance mundial e os Radioamadores começaram a ouvir e trabalhar regularmente estações em todo o globo. Havia grande entusiasmo e o Radioamadorismo  passou por grande aumento de popularidade. Foi uma época fantástica que está bem documentada nas edições do QST e outras publicações amadoras. Os especialistas da indústria estavam errados e o Radioamadorismo deu uma grande contribuição para o avanço da radiocomunicação.

Em suma

Embora a experimentação hoje no Radioamadorismo seja menos popular do que há 100 anos, seu espírito sobrevive e mesmo o pequeno número de colegas que a praticam continua a impulsionar a radioarte. Experimentos recentes produziram tecnologias como IRLP, APRS, radiopacote e um grande número de modos digitais altamente eficientes para voz, dados e comunicações visuais.

Cada um de nós deveria gastar algum tempo experimentando novos modos, novas antenas, novos circuitos, conectando coisas de formas diferentes ou incomuns e até mesmo pensando em como essas tecnologias e modos podem ser usados para tornar o uso do rádio mais eficiente ou, quem sabe, apenas mais divertido.

A vantagem dos Radioamadores sobre os fabricantes de rádios comerciais ainda é que nós não sabemos o que vai e o que não vai funcionar. Continuamos a surpreender os especialistas da indústria com novas descobertas, modos e técnicas operacionais. A próxima inovação do Radioamadorismo está vindo por aí. Quem sabe você não seja o primeiro a pensar nela.

Conclusão

Meu desejo é que todos pensem em como podem trazer um pouco mais de experimentação pessoal em suas atividades radioamadoras. Além de muito divertido, isso também fará com que rompamos nossos próprios limites, assim como os limites do nosso hobby. Divirta-se e aprenda. Talvez sua experimentação resulte em algum novo tipo de antena, um novo modo digital ou uma nova técnica de comunicação que será amplamente adotada por outros radioamadores.

Ainda que não chegue a isso, você terá aprendido algo a mais durante todo o processo.

Experiências não precisam ser um sucesso para terem valor. Aprendemos mais com nossos fracassos do que com nossos sucessos: os fracassos nos ajudam a eliminar o que não funciona e a focar em formas melhores de resolver o problema. Uma experiência fracassada é uma ótima maneira de encontrar o caminho para o sucesso.

Comentários, incluindo perguntas sobre este artigo, podem ser direcionados ao Editor ou diretamente para mim em mcquiggi@sfu.ca. Obrigado por ler!

73,

~Kevin VE7ZD / KN7Q

Referências:

  1. 1. [1] “Radioamadorismo  e Inovação em Tecnologia de Telecomunicações”, K. McQuiggin. Consulte http://central.bac-lac.gc.ca/.redirect? app=LacCat&id=56920907&lang=eng&q=mc quiggin.
  2. 2. [2] “Two Hundred Meters and Down” de Clinton B. Desoto. Disponível online em https://archive.org/details/twohundredmeters0000deso. Um livro fascinante e de fácil leitura que todo Radioamador deveria ler!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *